Povo querido de Garopaba,
Habitamos esse planeta a cerca de 4 milhões de anos. A algum tempo atrás nos caçavam, a ponto de nos colocarem em risco de extinção. Felizmente, alguns como vocês entenderam nossa importância para a preservação da vida marinha, resolveram nos proteger e todos os anos fazem uma linda festa para nos dar as boas vindas. Por isso somos gratas e escolhemos as águas quentes e tranquilas das suas baias rasas como berçário para nossos filhotes nascerem. Soubemos que estão discutindo a revisão do Plano Diretor, que significa definir o futuro do território e o bem estar de todos os seres que aqui moram ou visitam. Aprendemos muito nas nossas viagens e por isso deixamos aqui quatro sugestões e um pedido para que esse paraíso continue um paraíso.
A primeira sugestão é definir “quais identidades naturais e culturais queremos manter para as futuras gerações”. Para isso entendemos ser essencial um Diagnóstico socioambiental e cultural detalhado, caracterizando e delimitando as áreas socioambientais mais sensíveis, as áreas de preservação permanente (APPs) e as identidades culturais das comunidades tradicionais. Assim como os médicos pedem exames minuciosos aos seus pacientes antes de propor e discutir qualquer intervenção, o diagnóstico detalhado é fundamental para debatermos e planejarmos o futuro que queremos para a nossa cidade.
A segunda sugestão é elaborar esse Diagnóstico, assim como todas as etapas e decisões sobre o futuro da cidade, com AMPLA PARTICIPAÇÃO SOCIAL. Ou seja, COM e NAS comunidades. Isso é feito pelos principais centros de Pesquisa e Universidades, que aprenderam ser fundamental construir conhecimento unindo saberes técnicos a saberes locais. Se não sairão propostas formuladas por um pequeno grupo de interesse que serão contestadas por quem não teve vez nem voz.
A terceira sugestão é para o setor público e empresários do mercado imobiliário e da construção civil repensarem alguns conceitos. Um lote ou pedaço de terra não é apenas uma oportunidade de lucro através da ocupação máxima. Mais que isso, exerce funções ecossistêmicas e sociais fundamentais para o bem estar coletivo. Os banhados, as áreas de vegetação nas encostas e topos de morro, as dunas e vegetação costeira, assim como as áreas rurais e de preservação ambiental, não são apenas “vazios urbanos” esperando construções. São a garantia de alimentação para as comunidades nativas, que sem esses eco-sistemas perderão sua autonomia e serão escanteadas para subempregos e moradias nas periferias. E perderemos o que mais atrai turistas e novos moradores.
A quarta sugestão é para as comunidades locais. Vocês são a alma, a história e a cultura desse território. O acolhimento carinhoso que encanta novos moradores e visitantes como nós Baleias. Alguns podem achar que o único futuro é vender a terra, embolsar um dinheiro rápido e trabalhar nos empregos da construção civil ou comércio. Puro engano. Nas minhas viagens vi isso acontecer e deixar milhares de favelados nas periferias de cidades, mais desigualdade, violência social, degradação e poluição ambiental. Mas vi também cidades que se desenvolveram com base na cultura e tradições das comunidades locais, fortalecendo sua autonomia e ao mesmo tempo preservando as belezas naturais e os ecossistemas que garantem sua sobrevivência. É uma questão de escolha. Garopaba tem outro DNA, que merece e precisa ser respeitado.
O pedido tem a ver com a preservação desse berçário. Viajamos de longe para nossos filhotes aqui nascerem, e eles são tão curiosos quanto outros bebês. Somos vaidosas e adoramos sermos observadas por vocês, mas distúrbios sonoros, aproximação de jetskies, drones, helicópteros, barcos a motor ou mesmo pranchas e embarcações a remo nos incomodam. Qualquer movimento brusco pode ser interpretado como uma ameaça aos nossos filhotes e gerar uma reação perigosa da mãe. Porém, ao contrário de outros lugares, aqui ficamos bem próximos as praias e costões, de onde podem nos admirar sem nos perturbar. Agradecemos o mirante que nossos anfitriões da Gamboa construiram e esperamos que as outras enseadas façam o mesmo. Um berçário é um ambiente que precisa de paz, silêncio e segurança.
Por fim, precisávamos estar ameaçadas de extinção para pararem de nos matar, nos protegerem e festejarem todo ano nossa vinda. Com essa carta, esperamos chamar a atenção do povo de Garopaba para que, ao retornarmos nos próximos anos, os tesouros naturais e culturais que ainda existem nesse lindo território continuem vivos e preservados – e não apenas nas memórias dos nossos avós, nos livros e museus.
Com amor, a Baleia Franca.
Fonte: https://saberesdapraia.com/
Edição e distribuição Sérgio Pinheiro, AMA ONG e Celebração das Baleias